José Fanha
CANÇÃO PARA AS MINHAS FILHAS

Para a Sara e para a Matilde

 

Como sereis minhas filhas

quando o meu poema terminar?

 

Como sereis

agora mesmo

daqui a 5 minutos

5 anos

Daqui uma medida qualquer

impalpável

dessas que vestem o tempo

como se o tempo pudesse ser vestido?

 

Como sereis então

nesse tempo que eu não sei dizer?

Mais claras? Mais azuis? Mais aves?

Tereis já uma ruga  pousada junto à boca

e o cântaro da água entornado no olhar?

 

Que sol trará a luz às vossas mãos?

Que sal tomará conta da música do corpo?

Quem vos cantará

quando eu fechar a casa dos meus versos?

                     

Viverá nos vossos dedos o estilete

o aparo

o bico de carvão

com que sobre o mar se escreve

o desejo de ser livre?

 

Haverá uma canção que venha em vós

romper a noite

e instaurar a transparência do ar?

 

Sede espertas e vivas, filhas minhas!

Não deixeis que vos roubem

a alegria do abraço.

Não vos torneis funcionárias!

Cantai!

Sede ciganas

e levai a pátria atrás de vós

na carroça dos mais belos sonhos

que o vosso peito engendrar!

 

Entrai pelas florestas e tocai em cada tronco

para que ele

de folha em folha:

vos reconheça e diga:

estas são nossas irmãs! Vamos dançar!

 

Amai como quem cavalga o vento!

Sede mágicas e grandes por dentro do coração!

Não deixeis que  injustiça ou mesquinhez

façam ninho à vossa porta.

 

Ensinai  os vossos filhos

a ser pedras

oceanos

a ser sábios.

Ensinai-lhes  os caminhos da bondade

e fazei-los sorrir em cada esquina.

 

E por fim

queridas filhas

se para tanto chegar

o lado mais claro do meu nome a arder

levai-o nas vossas mãos

e deixai-o junto ao mar

para que as ondas o tornem

num barco feliz

eternamente a navegar.

 

(“Cancioneiro Feliz”), in “POESIA, JOSÉ FANHA”, 2012