Para a Sara e para a Matilde
Como sereis minhas filhas
quando o meu poema terminar?
Como sereis
agora mesmo
daqui a 5 minutos
5 anos
Daqui uma medida qualquer
impalpável
dessas que vestem o tempo
como se o tempo pudesse ser vestido?
Como sereis então
nesse tempo que eu não sei dizer?
Mais claras? Mais azuis? Mais aves?
Tereis já uma ruga pousada junto à boca
e o cântaro da água entornado no olhar?
Que sol trará a luz às vossas mãos?
Que sal tomará conta da música do corpo?
Quem vos cantará
quando eu fechar a casa dos meus versos?
Viverá nos vossos dedos o estilete
o aparo
o bico de carvão
com que sobre o mar se escreve
o desejo de ser livre?
Haverá uma canção que venha em vós
romper a noite
e instaurar a transparência do ar?
Sede espertas e vivas, filhas minhas!
Não deixeis que vos roubem
a alegria do abraço.
Não vos torneis funcionárias!
Cantai!
Sede ciganas
e levai a pátria atrás de vós
na carroça dos mais belos sonhos
que o vosso peito engendrar!
Entrai pelas florestas e tocai em cada tronco
para que ele
de folha em folha:
vos reconheça e diga:
estas são nossas irmãs! Vamos dançar!
Amai como quem cavalga o vento!
Sede mágicas e grandes por dentro do coração!
Não deixeis que injustiça ou mesquinhez
façam ninho à vossa porta.
Ensinai os vossos filhos
a ser pedras
oceanos
a ser sábios.
Ensinai-lhes os caminhos da bondade
e fazei-los sorrir em cada esquina.
E por fim
queridas filhas
se para tanto chegar
o lado mais claro do meu nome a arder
levai-o nas vossas mãos
e deixai-o junto ao mar
para que as ondas o tornem
num barco feliz
eternamente a navegar.
(“Cancioneiro Feliz”), in “POESIA, JOSÉ FANHA”, 2012