O meu tesouro é um livro
de folhas gastas, dobradas,
onde ainda brilha o ouro
de palavras encantadas:
guinéus, luíses, dobrões.
Se o abro, à noite, no quarto,
levanta-se um vento leve
que enfuna os lençõis da cama;
cheira a sal, ouvem-se as ondas,
salpicos de espuma volteiam no ar.
Mas já não voam as palavras que voavam
e me arrastavam prò mar,
o grande mar que é muitos e só um.
Por mais que escute já não ouço
a canção dos marinheiros:
Dez homens em cima da mala do morto…
lou, ou, ou, e uma garrafa de rum.
Antigamente era outra essa viagem
e era eu o rapaz da estalagem.
Escondido na barrica das maçãs,
escutava o taque-taque
do homem da perna só
e as conversas dos piratas
que passavam no convés:
Com quarenta homens nos
Fizemos ao mar,
mas só um, afinal,
se conseguiu salvar.
Faca de punho rachado,
bússola, sabre,
telescópio de latão.
Só o rum é que podia
Derrubar o capitão;
mas agora ele está morto
e tem duas moedas de prata
no sítio dos olhos,
um buraco para os peixes
no lugar do coração.
O mar também é abismo
e assombro e perdição.
Com mil diabos!
Icem já a vela mestra,
seus patifes de uma figa!
Já chega de beber rum
e de coçar a barriga.
Depressa! Está na hora de arribar!
Mesmo em frente há uma ilha
que cresceu durante a noite
do outro lado do mar.
Tragam o mapa de Flint,
limpem o pó dos canhões,
sintam o cheiro do ouro.
O vento nos levará
para a ilha do tesouro.
Para a ilha do tesouro!
As palavras que me levem
para a ilha do tesouro
e seja ela onde for.
Quero os meus lábios gretados
pelo sal, pelo calor,
como no tempo em que era jovem
e andava no mar
e era o tempo melhor.
Que aconteceu? Quem sou eu?
Quem lê o livro não é quem o leu?
Onde está o mapa
do tesouro que me deste?
Três cruzes a vermelho,
duas a norte, uma a sudeste.
Agora abro o livro
e não acontece nada.
A minha noite é só medo e frio,
uma terra ressequida
batida por mar nenhum.
Por mais que escute já não ouço
a canção dos marinheiros:
Dez homens em cima da mala do morto…
lou, ou, ou, e uma garrafa de rum.