Álvaro Magalhães
A ilha do tesouro

O meu tesouro é um livro

de folhas gastas, dobradas,

onde ainda brilha o ouro

de palavras encantadas:

guinéus, luíses, dobrões.

 

Se o abro, à noite, no quarto,

levanta-se um vento leve

que enfuna os lençõis da cama;

cheira a sal, ouvem-se as ondas,

salpicos de espuma volteiam no ar.

Mas já não voam as palavras que voavam

e me arrastavam prò mar,

o grande mar que é muitos e só um.

Por mais que escute já não ouço

a canção dos marinheiros:

Dez homens em cima da mala do morto…

lou, ou, ou, e uma garrafa de rum.

 

Antigamente era outra essa viagem

e era eu o rapaz da estalagem.

Escondido na barrica das maçãs,

escutava o taque-taque

do homem da perna só

e as conversas dos piratas

que passavam no convés:

Com quarenta homens nos

Fizemos ao mar,

mas só um, afinal,

se conseguiu salvar.

 

Faca de punho rachado,

bússola, sabre,

telescópio de latão.

Só o rum é que podia

Derrubar o capitão;

mas agora ele está morto

e tem duas moedas de prata

no sítio dos olhos,

um buraco para os peixes

no lugar do coração.

O mar também é abismo

e assombro e perdição.

 

Com mil diabos!

Icem já a vela mestra,

seus patifes de uma figa!

Já chega de beber rum

e de coçar a barriga.

Depressa! Está na hora de arribar!

Mesmo em frente há uma ilha

que cresceu durante a noite

do outro lado do mar.

Tragam o mapa de Flint,

limpem o pó dos canhões,

sintam o cheiro do ouro.

O vento nos levará

para a ilha do tesouro.

 

Para a ilha do tesouro!

As palavras que me levem

para a ilha do tesouro

e seja ela onde for.

Quero os meus lábios gretados

pelo sal, pelo calor,

como no tempo em que era jovem

e andava no mar

e era o tempo melhor.

 

Que aconteceu? Quem sou eu?

Quem lê o livro não é quem o leu?

Onde está o mapa

do tesouro que me deste?

Três cruzes a vermelho,

duas a norte, uma a sudeste.

 

Agora abro o livro

e não acontece nada.

A minha noite é só medo e frio,

uma terra ressequida

batida por mar nenhum.

Por mais que escute já não ouço

a canção dos marinheiros:

Dez homens em cima da mala do morto…

lou, ou, ou, e uma garrafa de rum.